De quando em quando recebo questionamentos de por que o ‘Deixa Que Eu Faço’ não é aberto pra homens, se um dia vai ser, e se isso não tem uma pontinha de exclusão. “Como é que vamos lutar por uma sociedade mais inclusiva, quando a gente exclui os homens?”, é o que escuto, às vezes.
Acho a pergunta até bem legítima, mas, vejo uma outra forma de interpretar isso: A gente não assume que nenhuma mulher saiba fazer esse tipo de coisa (os pequenos reparos e manutenções residenciais), ou que esse conhecimento é exclusivo dos homens e que todo homem saiba fazer. Mas, partimos de um fato (infeliz) de que ainda privilegia-se ensinar esse tipo de coisa aos meninos (e menos às meninas), especialmente quando falamos da educação que se recebe em casa. Por isso, nosso foco é também trazer conhecimento a quem tem menos acesso a ele. Quer comprovar? Pergunte a X amigos homens quem deles sabe fazer manutenção residencial - como trocar a resistência do chuveiro e lâmpadas, usar furadeira, pregar um quadro. Depois, faça a mesma pergunta a um número igual de mulheres. Fizemos isso e o que vemos é que, no geral, o número de homens que têm esses conhecimentos é maior em relação às mulheres. Além disso, a maioria de quem sabe aprendeu em casa (com pais ou avós) e quem saiu sem saber, nunca teve onde aprender (além de hoje, no YouTube). Ou seja, se você aprendeu, que bom. Se não aprendeu, ou depende do YouTube e do combo cara+coragem, ou fica sem saber. Tem um dado bem interessante do IBGE, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que diz que 30,6% das mulheres fazem pequenos reparos domésticos, ante 59,2% dos homens. Muito provavelmente essa diferença se dá também a uma série de outros fatores, mas mostra o quanto a gente, mulher, ainda é minoria nesse universo. Sempre “eles” É um fato meio sutil, mas bem simbólico, que a maioria das pessoas, quando contam que vão pedir ajuda a alguém, se referem a “UM amigo, O zelador, UM marido de aluguel”... Raras foram as vezes que eu ouvi falarem de mulheres como referência de ajuda para manutenção residencial (pedi ajuda pra MINHA vizinha, MINHA tia, UMA faz-tudo). Acreditamos que a experiência do aprendizado é mais divertida sem competição e com colaboração Bem no lance de “uma mina puxa a outra”. Na prática, notamos que esse é um dos temas que flui melhor em ambientes exclusivamente femininos. Talvez porque, se sentindo entre iguais, a vergonha vira risada, a experiência de uma ajuda a outra, e a gente se sente à vontade de assumir os medos, receios e desconhecimento com um tom quase que de cumplicidade. E com essa leveza, a gente parte de um ponto de conversa e de experiência muito mais sincero e gostoso, porque pode dizer “eu não sei fazer absolutamente nada disso. Nunca peguei num alicate. Não sei a diferença entre um prego e um parafuso”, sem que isso cause qualquer tipo de estranheza, ou de uma expectativa de que eu "deveria saber isso" - e acho esse o ponto perfeito pra gente entrar em um conhecimento novo. Até porque, mesmo que alguém seja uma mega expert em algo, existe uma unanimidade: todas já passaram por alguma situação desagradável, simplesmente por ser mulher. E aqui os exemplos são vários - como eu mesma, que entrei uma vez numa loja de ferramentas e ouvi um vendedor falar pro outro: “vai lá você pq mulher sempre dá mais trabalho”, ou de mulheres que sabiam fazer uma infinidade de coisas e ouviram “você não tem força”, ou “não faz isso não, você vai se sujar” (oi?), “você pode até saber fazer, mas vai que você cai da escada” (oi?oi?oi?). E a lista deste tipo vai que vai. Em todos os casos, essas frases foram ditas por um… homem. E me arrisco aqui a assumir que poucos homens já foram obrigados a ouvir esse tipo de coisa, de ter sua capacidade questionada desta forma tão direta, apenas por seu gênero. E essas histórias, por mais desagradáveis que possam ser, de certa forma têm o poder de criar uma conexão, que talvez ficaria mais difícil de um cara entender. É uma empatia mais delicada mesmo, de compartilhar uma cobrança que fica evidente ali, mas que se espalha por outras áreas da nossa vida. Não que os homens não sejam cobrados por outras coisas (ou até essas, mesmo), mas nesse espaço e nesse tema, sinto que a coisa “clica” bem rápido entre nós mulheres. E ainda, essa troca de experiências entre minas desperta um questionamento conjunto sobre as vozes que ouvimos, os papeis sociais que nos são impostos e os espaços que também nos são restritos. O exercício de questionar e desafiar o “sistema que está aí” e tendo uma apropriação – justamente por um grupo de mulheres – desse espaço tido como tão masculino, tem muito a ensinar. Por que eu dou mais trabalho quando entro numa loja de ferramentas? Como assim eu vou cair da escada? Quem disse que eu não tenho força (e tem coisa que nem precisa de tanta força assim!)? Quando nos dispomos a entrar nesse mundo e tomá-lo como nosso também, descobrimos que ele nem é tão técnico, difícil e nem precisa de um conhecimento ou habilidade super específico, e isso permite que a gente resgate uma parte da nossa independência, dando mais autonomia na hora de fazer e segurança pra negociar com quem faz. E aí, muito do que acontece está bem além de usar furadeira, pintar parede ou consertar uma tomada. Tem a ver com as percepções e descobertas internas de cada uma nesse processo - do seu jeito e no seu tempo, acompanhando a o aprendizado prático e concreto. E de desafiar, dentro da gente também, essas vozes que a gente fica ouvindo por aí fora. Sinceramente, meu sonho é que se ensine isso tudo na escola, pra qualquer gênero que seja. Mas, temos que escolher um ponto de partida e, por hora, tem sido bem legal tratar desses aspectos num espaço só de mulheres e ver como isso aparece nas diferentes turmas. Ainda, ver como isso tudo também nos ajuda a descobrir novos gostos e talentos e relembrar histórias dentro da gente mesma, de aprender e rir com a história da outra num espaço que é acolhedor e leve. E de quanta transformação esse "fazer fora" pode transformar também as coisas dentro da gente. E você, independente do seu gênero, o que acha disso tudo? Conta pra mim, quero mesmo saber : )
PS - deu pra ver que eu sou ruim de escrever pouco, mas uma colunista convidada da Forbes fala disso de forma bem direta (traduzimos aqui)
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